Esse belo texto abaixo, foi escrito por Felipe Longhi Malheiro, autor do livro "Dos Sonhos e seus efeitos colaterais" e componente do Conselho Deliberativo do Instituto Thiago Rufatto, ONG maRSeguro. Apreciem.
Exército Israelense. Construções adaptadas e alertas contra tornados no meio-oeste dos Estados Unidos. Condutas, políticas, obras, acessórios, roupas especiais contra o frio no Canadá, Europa, sul da Argentina e no Chile. Tecnologias em edifícios para minimizar efeitos de terremotos no Japão, México, Nova Zelândia.
Condições extremas de realidade costumam ensejar respostas à altura de parte da população e dos governos de determinados lugares. Onde quer que se verifiquem fenômenos de alta intensidade, com certa periodicidade, provavelmente também haverá inteligência humana e tecnologia de ponta aplicadas à prevenção e resolução de problemas. Grandes perigos, grandes esforços, grandes soluções.
O Rio Grande do Sul possui um dos ambientes marítimos mais inóspitos e perigosos do mundo. Desnecessário falar sobre os riscos aos navegantes, os ventos inacreditáveis de sul, sudoeste, nordeste, de baixo, de cima, a cor e a temperatura média da água, os dias de “chocolate”, a força das correntes, os buracos, e o repuxo na beira... Ainda assim, essa costa de características teoricamente tão pouco interessantes atrai milhões de pessoas a cada verão, e até fora de temporada, e isso é o que importa. Afinal de contas, estar perto do mar é, inegavelmente, estar perto do mar. E não vamos esquecer dos dias “perfeitos” (neste verão de 2011 até bem numerosos) na beira da nossa praia, que nos emocionam tanto e produzem até manchete de jornal.
Todas as referências feitas no primeiro parágrafo são respostas a grandes exigências naturais onde as pessoas querem viver. Mas, e no nosso litoral, de 8 mortes por afogamento em um mês de verão 2011.
Um enorme contingente de banhistas, esportistas e pescadores usufrui do nosso pedaço de oceano em completo desacordo com o que se convenciona chamar de tradição gaúcha de politização e civilização. Temos um mar perigosíssimo que é tratado por grande parte das pessoas como se fosse uma piscina com água pela cintura – e para cuidar dos banhistas, nossos salva-vidas, ainda que preparados (não se pode duvidar da dedicação dos profissionais da Brigada Militar), com certeza não dispõem dos mais avançados meios de trabalho e treinamento, como um mar tão complexo exigiria, e muito menos de material próprio para a atividade – basta ver, por exemplo, as recentes matérias veiculadas pela imprensa sobre a situação das guaritas dos salva-vidas no Litoral.
Além da gravíssima questão dos banhistas, há o caso das mortes de surfistas em redes de pesca, que já beiram o incrível número de 50 desde 1983. Nesse delicado aspecto, existem fatores como redes de pesca “sem dono” colocadas em áreas de surfe, a discussão do método de pesca adotado no Rio Grande do Sul, com redes que constituem literais armadilhas humanas em muitos casos, sinalização e fiscalização parca ou inexistente das áreas reservadas para pesca e esportes aquáticos, pouca informação de muitos esportistas em relação aos reais riscos a que se expõem ao entrar nos (inúmeros) dias de mar bravio.
O Oceano Atlântico, nestas paragens do Hemisfério Sul, é um ambiente em permanente estado de emergência. E, como tal, com medidas vigorosas, certeiras e perenes, deve ser tratado. Deve ser estudado, discutido, receber investimentos. Quem vive do mar, e quem dele usufrui para seu justo lazer, deve entender e ser informado, em todos os aspectos, sobre “onde está se metendo”. Não estamos lidando com o mar do Caribe em tempos de calmaria. Longe disso.
Em virtude de uma triste sequência de eventos, movidas pelo amor àqueles que partiram e pela vontade de evitar que mais pessoas sofram o que sofrem, as famílias de algumas das vítimas da situação em que se encontra o nosso litoral, unem-se, por meio de uma nova entidade, a instituições representativas de esportistas, salva-vidas civis, deputados, ao Ministério Público Estadual e aos cidadãos em geral para buscar soluções a esse quadro tão grave quanto surreal.
O Instituto Thiago Rufatto - ONG maRSeguro, que leva o nome do surfista falecido no último dia 1º de novembro, vítima de uma rede de pesca, foi fundado em dezembro de 2010 com um só intuito: salvar vidas no litoral gaúcho. Não se trata de “reinventar” atividades que já se encontrem em prática, ou sugerir que “nada nunca é feito” – a busca é, sim, por somar novas e enérgicas iniciativas às que já existem, e tratá-las todas em um contexto sistemático, maior, fazendo com que sejam intensificadas, ampliadas, recebam mais investimentos, e que as ações vindouras sejam efetivas e eficazes. Conscientizar banhistas e esportistas; buscar, com diálogo e estudo, por meio dos órgãos competentes, alternativas mais modernas, rentáveis e seguras às redes de pesca fixas; aprimorar e modernizar constantemente o serviço de salva-vidas, e atuar junto a órgãos estatais para que cumpram o seu sagrado e Constitucional dever de defesa da vida.
E seria proibido pensar em infra-estrutura de excelência, desde a prevenção de afogamentos até hospitais modernos e bem estruturados, na exata proporção imposta pelo nosso litoral? Não mesmo! Um salto de qualidade no tratamento da região é, sem dúvida, desafiante para um novo governo. Mas também uma grande oportunidade de fazer a diferença na história do Rio Grande do Sul.
O trabalho da ONG maRSeguro já começou, e tem elevado a consciência e chamado atenção de toda a sociedade para a causa. E, junto a fundamentais participantes do trabalho em prol da vida no litoral, como tem sido o Ministério Público Estadual, a Federação Gaúcha de Surf e vários pescadores de nossa costa, o progresso já pode ser sentido, como demonstra o trabalho para implementação do que diz a Lei Estadual 13.660 (veja aqui detalhes) quanto à demarcação de áreas de pesca e surfe. (clique aqui para ver o texto da lei). É um belo início de um processo longo e que exigirá muita determinação e foco nas soluções.
O mar do Rio Grande do Sul existe em permanente estado de emergência, e assim deve ser tratado, para o bem de todos. É uma questão de vida, e nada que simbolize sua preservação pode ser desprezado.
Para conhecer o trabalho do Felipe acesse seu site em: http://felipelonghimalheiro.com/
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